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Carro de Bois (Humberto Mauro, 1974)

  • André Quevedo Pacheco
  • 16 de fev.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 17 de fev.

Pode parecer à primeira vista anacrônico um curta sobre o carro de bois em plena década de 1970. Mas talvez seja nesta guinada final, que resgata, mas reconfigura, toda a História de um país e de uma obra, que Mauro tenha sido mais moderno



Cineasta da nostalgia que inegavelmente foi, Humberto Mauro foi por consequência cineasta da modernização. A afirmação pode soar estranha para o senso comum, que associa Mauro à preservação de um mundo rural. A tese de Paulo Emílio sobre o cineasta, na sua lírica passagem final, insere uma fotografia em close-up dele e diz que sua feição evidencia “alguém habitado por um outro mundo”. A foto destaca os olhos, logo a foto e a frase dizem respeito ao olhar, e por consequência ao estilo cinematográfico de Mauro, habitado por um mundo pré-moderno. Mas lembremos por um momento das dezenas de filmes educativos celebrando a modernidade feitos para o INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo). Vale lembrar também um fato menos conhecido, de que em 1928, quase simultaneamente a São Paulo, Sinfonia Metrópole (1929), Mauro filmava sua Symphonia de Cataguases (1928). Filme considerado perdido, foi encomendado pelo prefeito da cidade para mostrar todos os avanços de modernização na cidadezinha do interior de Minas, na qual Mauro cresceu. 

O olhar de Mauro vem de outro mundo. É um mundo próximo da poesia bucólica inglesa do século XVIII, com seus campos de abundância, ou do mundo da pintura arcadista, com suas clareiras pacíficas. É um mundo do passado que nasce com a ideia de futuro, no seio da revolução industrial. Esse mundo é construído sob medida: nos casos mais alienantes, como complemento fantasmático da mudança, aliado da sua vertente reacionária, e nos casos radicais, como contraponto dialético do progresso, questionador de sua teleologia. Muito se disse sobre a genuinidade nacional de Mauro, e é este seu aspecto mais genuíno: não a ligação com uma essência brasileira atemporal, mas a ligação com a criação destas ideias de essência por um século de transformações. Cineasta da modernização, pois mergulhado nesse misto muito particular e muito nosso de desejo por uma economia modernizada nunca completa, e uma cultura tradicional que nunca existiu.

Quando, em 1974, Humberto Mauro realiza, após dez anos sem filmar, seu Carro de Bois, as coisas já não eram bem as mesmas de quando consolidou sua carreira...




 
 
 

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